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quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Seção Umbanda

Nossos umbigos

O terreiro de Umbanda, como um hospital de almas ou pronto socorro emergencial, recebe nos dias de sessão ou "gira" uma quantidade razoável de encarnados, mas somente os espíritos desencarnados que lá trabalham, é que podem vislumbrar a imensidão de desencarnados que se movimentam no ambiente, em busca de ajuda. Ordenados e amparados por seus tutores, chegam estropiados e com aparência assustadora, uma vez que em sua maioria representam aqueles que cansaram ou esgotaram suas forças, na vida andarilha do pós-morte do corpo físico.

Voltam a pátria espiritual e dela não tem conhecimento e sem noção da continuidade da vida, quando não, desconhecem até mesmo sua condição de espírito desencarnado e por isso continuam a sentir os desejos, ambições, gostos e dores da vida física e nesse caminho, definham suas energias.

Quando conseguem alcançar algum vislumbre de consciência de sua realidade, permitem a ajuda dos benfeitores que os encaminham a algum local sagrado, onde medianeiros encarnados possam ajudá-los através do choque anímico, permitindo o total desligamento da matéria. Neste momento os chamados Centros Espíritas e de Umbanda, tornam-se "oásis" em seus desertos e como pontes entre os céu e a terra, permitem a passagem de volta à casa.

Naquela noite chuvosa e fria, a maioria dos médiuns daquele terreiro, ressentidos pela dificuldade de deixaram o conforto dos lares, faltaram ao trabalho espiritual e o dirigente preocupado com o atendimento dos doentes que se apinhavam no espaço que dia a dia se tornava pequeno, ajoelhou-se em frente ao congá, assumindo sua tristeza diante dos Guias espirituais. Deixou correr duas lágrimas para aliviar seu peito angustiado. Pensou em como fora seu dia e nas atribulações a que já deveria estar acostumado, mas que agora pesavam mais pela saúde que já lhe faltava. Nas dificuldades financeiras, no aluguel da casa que já vencera e nos tantos atrapalhos que ocorreram em seu ambiente de trabalho naquele dia. Sem contar na visita que viera de longe e que deixara em casa esperando pela sua volta do terreiro. Nada disso o impediu de fazer uma prece no final do dia, de tomar seu banho de ervas e seguir a pé até o terreiro, enfrentando a distância e o temporal que se fazia.

Sentia-se feliz em cumprir sua tarefa mediúnica, mas como havia assumido abrir um "hospital de almas", juntamente com outros irmãos que se responsabilizaram perante a espiritualidade em servir à caridade pelo menos nos dias de atendimento ao público, sabia que sozinho pouco podia fazer.

Pedindo perdão aos guias pela sua tristeza e talvez incompreensão em ver os descaso dos médiuns, que a menor dificuldade, escolhiam cuidar dos próprios umbigos à servir aos necessitados, solicitou que se redobrasse no plano espiritual a ajuda e que ninguém saísse dali sem receber amparo.

Olhando a imagem de Oxalá que mesmo ofuscada pelas lágrimas, irradiava sua luz azulada, sentiu que algo maior do que a lamparina ao pés da figura, agora brilhava. Era uma energia em forma de fios dourados que se distribuíam, a partir do coração do Cristo e que cobriam os poucos médiuns que oravam silenciosos, compartilhando daquele momento, entendendo a tristeza do dirigente.

Agindo como um bálsamo sobre todos, iniciaram a abertura dos trabalhos com a alegria costumeira. Quando o dirigente espiritual se fez presente através de seu aparelho, transmitiu segurança a corrente, com palavras amorosas e firmes e nesse instante, falangeiros de todas as correntes da Umbanda ali "baixaram" e utilizando de todos os recursos existentes no mundo espiritual, usaram ao máximo a capacidade de cada médium disponível, ampliando-lhes a percepção e irradiação energética, o que valeu de um trabalho eficiente e rápido.

Harmoniosamente, os trabalhos encerraram-se no horário costumeiro e todos os necessitados foram atendidos.

Desdobrados em corpo astral, dois observadores descontentes com o final feliz, esbravejavam do lado de fora daquele terreiro. Sua programação e intenso trabalho para desviar os médiuns da casa naquela noite, no intuito de enfraquecer a corrente e consequentemente, infiltrarem suas "entidades" no meio dela, havia falhado. Teriam que redobrar esforços na próxima investida.

Quando as luzes se apagaram e a porta do terreiro fechou, esvaziando-se a casa material, no plano espiritual, organizava-se o ambiente energético para logo mais receber os mesmos médiuns, agora desdobrados pelo sono.

Passava da meia noite no horário terreno e os médiuns, agora em corpo de energia voltavam ao mesmo local do qual a pouco haviam saído. Os aguardavam, silenciosos ouvindo um mantra sagrado, seus benfeitores espirituais. Tudo estava muito limpo e perfumado por ervas e flores. Um a um, ao adentrar, era conduzido a uma treliça de folhas verdes e convidado a deitar-se, recebendo ali um banho de energias revigorantes. Quando todos já se encontravam prontos, seguiram em caravana para os hospitais do astral e lá, como verdadeiros enfermeiros, auxiliaram por horas a fio a tantos espíritos que horas antes haviam estado com eles no terreiro e recebido os primeiros socorros.

No final da noite, o canto de Oxum os chamava para lavarem a "alma" em sua cachoeira e assim o fizeram, para somente depois retornar aos seus corpos físicos que se permitia descansar no leito.

-Vó Benta, mas e aqueles médiuns que faltaram ao terreiro naquela noite, perderam de viver tudo isso?

-Nem todos zi fio! Nem todos! Dois ou três deles, faltaram por necessidades extremas e não por desleixo e assim sendo, se propuseram antes de dormir, auxiliar o mundo espiritual e por isso foram convidados a fazer parte da caravana.

- E aqueles que mesmo não tendo comparecido por preguiça, se ofereceram para auxiliar durante o sono, não foram aceitos?

-A preguiça, bem como qualquer outro vício, é um atributo do ego e não do espírito, mas que reflete neste. Perdem-se grandes e valiosas oportunidades a todo instante pela insensatez de ouvirmos o ego e suas exigências. O tempo, zi fio, é oportunidade sagrada e dele se faz o que bem quer cada um. O minuto passado, não retorna mais, pois o tempo renova-se constantemente. O amanhã nos dirá o que fizemos no ontem e esse tempo que virá é nosso desconhecido, por isso não sabemos se nele ainda estaremos por aqui servindo ou se em algum lugar, clamando por ajuda de outros que poderão alegar não ter tempo para nós, pois precisam cuidar de seus umbigos.

ditado por Vovó Benta
Leni W.Saviscki

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