A noite se fazia linda...A lua cheia, tal qual noiva entrando na igreja,
espalhava seu véu branco por sobre as Campinas, as pradarias e dava brilho
especial aquele jardim florido onde as gérberas e adálias bailavam ao sabor
da brisa. Pétalas orvalhadas brilhavam a luz do luar, fazendo do roseiral um
manancial de energias que exalavam, enchendo o ar com seu perfume.
Espremendo-se pelas frestas do rancho, o cheiro do jardim entrava e coçava o
nariz da negrinha, fazendo-a espirrar...e acordar. Era apenas um pretexto
que Preta Rosa usava para se fazer ver, mesmo estando em corpo fluídico.
Sorrindo, com seus alvos dentes que contrastavam na pele negra, e exibindo
uma rosa atrás da orelha, o espírito amigo soprava na testa da negrinha,
fazendo-a dormir novamente, para que nessa brincadeira de esconde-esconde,
pudesse tirá-la do corpo físico, e novamente juntas, voarem ao sabor do
vento em busca de outros tantos espíritos, para que pudessem servir em
qualquer paragem, sempre em nome do grande Zambi.
Era rotineiro esse procedimento e Preta Rosa ficava muito feliz em poder
contar com a preciosa ajuda da negrinha que no corpo físico era paraplégica,
mas que sabia voar quando saía dele. O jardim bem cuidado que ladeava o
rancho humilde, auxiliava a descida das boas energias e seguidamente era
ali, naquele jardim florido, que a espiritualidade se abastecia das
energias florais e curativas de que precisavam nos trabalhos de cura.
Preta Rosa, antes de chamar a negrinha, sempre abastecia sua cesta, com as
flores que gostava de espalhar no caminho por onde andava. Flores que
existiam além da matéria, naquele manancial sagrado.
A negrinha, quando menina foi duramente castigada pelo feitor, fruto das
peraltices naturais da infância, mas que não eram admitidas nas crianças
negras. Ferida duramente ao final das costas, paralisou as pernas e nunca
mais caminhou. Mas para comer era obrigada a trabalhar, então arrastava-se
sob o efeito de dor quase insuportável, para cumprir tarefas que Sinhá lhe
ordenava. Passava o dia a esfregar o chão da casa grande e quando a noite
chegava, seu corpinho magrela amortecia de cansaço.
Preta Rosa, em encarnação anterior, havia sido sua madrinha e guardava pela
negrinha um afeto muito especial. Sabia que a dura pena a que foi submetida
nesta vida era, na verdade, um aprendizado ao seu espírito endurecido no
orgulho e na teimosia, como sabia também que na próxima encarnação a
negrinha viria de pele branca e serviria para manifesta-la junto aos homens
da terra. Espíritos afins, uma vivenciando ainda os aprendizados da carne,
outra evoluindo no mundo astral, são guerreiras de Zambi e em noites de
luar, pelos céus deste Brasil, espalham rosas e perfumes por onde passam,
cantarolando os versos que Preta Rosa gosta de fazer.
História contada por Vovó Benta.
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