LIBERDADE RELIGIOSA E POLUIÇÃO SONORA: NECESSIDADE DA COMPATIBILIZAÇÃO ENTRE AS ATIVIDADES DOS TEMPLOS E O DIREITO DE VIZINHANÇA.
A realização de cultos religiosos suscita uma questão interessante, pois, em princípio, constitui um direito fundamental do indivíduo, previsto no artigo 5º, inciso VI, da Constituição da República Federativa do Brasil, o qual passamos a transcrever:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”
No entanto, em que pese a aludida garantia, tal preceito não autoriza os adeptos de qualquer crença religiosa a realizarem suas práticas através de aparelhos que causem poluição sonora. Com efeito, o dispositivo é claro ao assegurar o livre exercício dos cultos religiosos e garantir, na forma da lei, a proteção aos locais de culto, seus rituais e suas liturgias, sem garantir, entretanto, a violação de outros dispositivos legais.
Pois bem, deve-se conciliar essa liberdade com a preservação do meio ambiente, objeto da Resolução CONAMA 001/90, que prescreve a observância dos padrões estabelecidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT.
A Resolução 001/90 determina:
“I - A emissão de ruídos, em decorrência de quaisquer atividades industriais, comerciais, sociais ou recreativas, inclusive as de propaganda política, obedecerá, no interesse da saúde, do sossego público, aos padrões, critérios e diretrizes estabelecidos nesta Resolução.”
Nem dentro dos templos, nem fora deles, podem os praticantes de um determinado credo prejudicar o direito ao sossego e à saúde dos que forem vizinhos ou estiverem nas proximidades das práticas litúrgicas.
A NBR 10.152 determina que o nível de ruído em igrejas e templos para o padrão externo de 55 dB(A) e 50 dB(A), o primeiro para o período diurno e o segundo para o noturno, estabelecendo para o padrão interno tetos de 45 dB(A) e 40 dB(A) no período diurno, conforme a janela esteja aberta ou fechada, e, 40 dB(A) e 35 dB(A) no período noturno.
O Código do Meio Ambiente do Município de Natal/RN (Lei nº 4.100, de 19 de Junho de 1992) assim dispõe:
“Art. 81 - Este capítulo dispõe sobre as condições e requisitos necessários para preservar e manter a saúde e a tranqüilidade da população mediante controle de ruídos e vibrações originados em atividades industriais, comerciais, domésticas, recreativas, sociais, desportivas, de transporte ou outras atividades análogas, sem prejuízo do estabelecido na legislação federal e estadual.
Parágrafo único - Fica proibido produzir ruídos e vibrações prejudiciais ao ambiente, à saúde pública, à segurança, ao bem-estar e ao sossego público ou da vizinhança.
Art. 84 - Fica proibida a emissão de ruídos e vibrações em zonas predominante ou exclusivamente residenciais após as vinte e duas horas até seis horas do dia seguinte.
Art. 85 - É expressamente proibido no território do Município:
II - o uso de alto-falantes ou congêneres para a difusão de mensagens religiosas ou políticas fora dos prédios das igrejas ou partidos políticos, observadas quanto aos segundos as normas de direito eleitoral;”
O artigo 42, do Decreto-lei 3.688/41, que institui a Lei das Contravenções Penais, determina:
“Art. 42. Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios:
I – com gritaria ou algazarra;
III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;
Pena – prisão simples, de 15 dias a 3 meses, ou multa.”
Importante ressaltar que a aludida contravenção não penaliza todo e qualquer ruído pequeno, de leve rumor, que em indivíduos mais irritadiços podem causar incômodos. O seu objetivo é assegurar a tranqüilidade do cidadão perturbado pelo ruído.
No aspecto penal, a poluição sonora também foi recepcionada pela Lei de Crimes Ambientais, tipificada no artigo 54, que prevê:
“Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Se o crime é culposo:
Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.”
Os nossos tribunais, por sua vez, assim têm se posicionado a respeito do tema:
“Direito de vizinhança - Poluição sonora de igreja - Pressupostos. Ação Civil Pública. Direito de vizinhança. Mau uso da propriedade. Poluição sonora. Liberdade de culto. Garantia constitucional. A Constituição da República assegura a liberdade de culto religioso nos limites da lei. Não pode uma igreja, sob o fundamento de liberdade religiosa, adotar uso nocivo da propriedade, mediante produção de poluição sonora, porque extrapola limite legal. Entretanto, tem a igreja o direito de utilizar música no interior do templo, desde que os sons não atinjam o exterior, causando dano ao sossego dos vizinhos.” (TAMG - 2ª Câm. Civil; AI nº 279.713-3-Contagem; Rel. Juiz Caetano Levi Lopes; j. 16/5/2000; v.u.) RJA 17/242.
“Direito de vizinhança. Mau uso da propriedade. Poluição sonora. Constitui violação do direito de vizinhança o mau uso da propriedade advindo do excesso de barulho produzido por manifestações religiosas, no interior de templo, causando perturbações aos moradores de prédios vizinhos, devendo o infrator instalar revestimento acústico para evitar que o som se propague, sob pena de sujeitar-se a indenização.” (Ap. 54.269-0/00, 6ª Câm. do TAMG, j. 15.10.90, rel. Herculano Rodrigues, RJTAMG 41/257, tb. pub. in DJ 15.10.90).
Desta forma, é recomendável a feitura de reformas na estrutura dos templos, forrando paredes com material adequado, isolante de som.
Todavia, cumpre evidenciar que compete ao órgão ambiental estadual ou municipal a aferição dos níveis de ruídos causados por templos religiosos, podendo ser determinada a paralisação de atividades religiosas em sendo desobedecida notificação para legalização da instituição, tudo conduzido dentro dos princípios da ampla defesa e do contraditório.
Neste sentido, a jurisprudência pátria assim vem a se manifestar:
“CONSITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL - ART. 5º INCISO VI - CULTO RELIGIOSO - LIBERDADE DE EXERCÍCIO - Direito que não autoriza o abuso na utilização de instrumentos sonoros a desrespeitar o repouso da coletividade e normas municipais. Legalidade do fechamento do templo pela autoridade municipal ante o desatendimento pela entidade de prévia notificação para regularização da situação. Direito líquido e certo inexistente. MS denegado.” (TJSP - Ap. 146.692-176 - 1º C - Cel. Dês. Andrade Marques - J.01.10.1991).
Assim sendo, os templos que se sentirem lesados em sua liberdade de culto, bem como em seus direitos à ampla defesa e ao contraditório quando estiverem sendo acusados, administrativa ou judicialmente, de perturbação ao sossego alheio, devem buscar um suporte jurídico para que não sejam permitidas quaisquer espécies de abuso de poder e preconceito religioso, de modo a prevalecer a tão almejada JUSTIÇA.
Cláudio Henrique F. Ribeiro Dantas
Advogado – OAB/RN nº 5.121
Fone: 3211-3539
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