Camboninho, senta aqui nos pés da preta velha. Vem emprestar seus ouvidos, pois este espírito que habita o mundo dos mortos, está precisando falar o que vem sentindo em seu velho e insistente coração.
a.. Salve minha boa mãe preta. Aqui estou para aprender com vossa sabedoria.
b.. Meu menino...preta velha tem feito sua gira pelos terreiros dessas terras do Cruzeiro e entre risos de alegria por ver que a caridade se expande, contrariando as dificuldades deste mundo materialista, algumas lágrimas de dor tem caído deste rosto enrugado pelo tempo.
c.. Posso saber porque chora, minha mãe?
d.. Negra velha já deveria estar acostumada com as agulhadas dos espinhos e com os laçassos do chicote...e até suporta isso quando a dor vem para o próprio corpo, mas se ressente e sofre quando isso se dá no coração dos filhos de fé.
e.. Camboninho, tenho visto tanta discórdia tomar conta das fileiras da caridade, apagando as tochinhas da fé daqueles que não a tem bem fortalecida. A muito tempo do vosso calendário, desceu dos céus e veio habitar entre vós um grande Mestre, filho do Altíssimo e por aqui deixou muitas mensagens e dentre elas, ensinou aquilo que seus discípulos expandiram através das escrituras sagradas: - "A caridade é paciente; é doce e benfazeja; a caridade não é invejosa; não é temerária e precipitada; não se enche de orgulho; não é desdenhosa; não procura seus próprios interesses; não se melindra e não se irrita com nada; não suspeita mal, não se regozija com a injustiça, mas se regozija com a verdade; tudo suporta, tudo crê, tudo espera, tudo sofre."
E falou também que haveria um tempo em que se abririam as portas por onde seriam soltos os lobos e para tanto, as ovelhas deveriam estar atentas para que não fossem apanhadas de surpresa. E esse tempo chegou, meu menino.
Os lobos estão famintos e nem todos os cordeiros fortalecidos suficientemente para poder fugir do assalto das feras. Por todo o tempo ignoraram que era preciso mais que se dizer "filho do Pai", e sim que precisavam se fazer dignos deste Pai, honrando-o e a seus mandamentos. As leis existem para serem cumpridas e a partir do momento em que uma delas passa a não ser observada, abre-se preceito para que as outras percam seu valor.
Preciosa moeda, de valor incalculável é pois, a caridade. Mas, como toda moeda pode ser falsificada e assim o é, quando não possui o brilho do desprendimento e do amor. Ela também deve ser pautada nas leis que regem a humanidade e há que se ter discernimento para que não se joguem pérolas aos porcos.
Os famintos lobos, vorazes e vindos de um mundo sem lei, desrespeitam o livre arbítrio das ovelhas e no menor indício de desatenção, eles pulam sobre a presa e devoram seu coração. É dele que se alimentam e a partir de então, as ovelhas, quais zumbis, perambulam comandadas por falsas leis gerando falsas idéias. E aquilo que até então se fazia valer dentro do rebanho, perde o sentido e os valores reais, e o pior de tudo meu menino: - perder o coração pode ser contagioso!
Vejo com o coração doído, meu menino, esses lobos atacarem ferozmente os rebanhos do Mestre. Ovelhas escolhidas para sustentar esse final de ciclo terreno que venceram as tentações da matéria e do desregramento sexual, as duas fatais jogadas das trevas sobre os homens até então, mas que agora sucumbem por deixarem se confundir nos reais valores da caridade e da fé.
E como um vendaval, entram soprando as tochas acesas, tentando escurecer nosso mundo e apagar a luz. E ai daqueles que sucumbirem! Ai daqueles que testados até então e ainda vitoriosos, não conservarem neste último e derradeiro instante, sua luz acesa, mostrando de que lado se encontram. O joio e o trigo não mais permanecerão na mesma lavoura e a separação se faz rápida para que os novos tempos cheguem trazendo boa colheita.
As mentes desavisadas, o emocional desequilibrado e a vaidade exacerbada faz com que se lancem no lodaçal, aquelas que seriam boa semente, e lá apodreçam sem germinar. Atente meu menino, para a voz do seu coração e não ensurdeça agora. Muitos uivos se ouvirão e confundir-se-ã o pelas ondas do tempo. É preciso, acima de tudo, discernimento e a certeza de que não é apenas a pele de cordeiro cobrindo o lobo, mas que dentro deste cordeiro existe a marca do Mestre. E essa marca meu filho, é demonstrada pela humildade e desprendimento em exercitar a caridade. Sem falsos falatórios que enchem a boca mas esvaziam o coração.
Caridade feita pelo arquear de suas costas, olhando o chão mas vislumbrando nele o reflexo de um céu estrelado e que cada estrela seja representada por uma gota de seu suor nas horas de doação. Prossiga assim meu menino e não perca ao longo do caminho, essa inocência de seu olhar, que ainda faz das crianças a esperança da renovação
-Saravá meu camboninho!
-Saravá minha mãe, vossa bênção!
História contada por Vovó Benta.
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